segunda-feira, dezembro 18, 2006

Não pagar

Uma das mais frequentes piadas sociais, repetidas ao longo da vida, de forma inter-geracional e transversal a todos os círculos sociais, tem que ver com a história do tipo que vai ao restaurante, não paga e tem de ficar a lavar pratos.
Já assisti a ser contada, imaginada, retocada, glosada e comentada, milhares de vezes, essas pequenas histórias. Chega, senta-se, come, não paga (há variantes para tudo no que respeita a razões para não pagar) e, desgraçadamente, tem de ficar a lavar os pratos na cozinha (em alternativa, há a versão musculada que passa por chamar a polícia).
Tenho 40 anos e nunca vi tal coisa acontecer. Nem conheço a quem tenha acontecido. Nunca o fiz nem presenciei, nem conheço quem tenha feito, sido vítima ou presenciado.
Subjacente a esta história, pode estar uma ideia social estruturante, que tem a ver com a confiança no sistema, com uma função de estabilidade social, que obriga a que donos de restaurante e clientes aceitem com facilidade a ideia de que, depois de servido e de ter comido, o cliente paga sempre a conta. Com naturalidade.
É claro que esta ideia de confiança social e colectiva tem as suas versões fragmentadas e contrárias: o caso do self-servive, do take-away e do modelo dos negócios fast food. Paga primeiro, comes depois.
Não acredito que seja para evitar o cliente que não paga. Mas que resolve o problema, lá isso resolve.
A verdade é que, felizmente, vamos repetindo vezes sem conta e sem graça, a mesma piada do tipo do restaurante que não paga a conta.
E eu aqui estou, com 40 feitos, sem nunca ter visto tal coisa, mas aceitando-a e colaborando na sua sã propagação.
Tenho esperanças de um dia querer experimentar a experimentar comer e não pagar, para ver, afinal, o que realmente acontece.
(Coimbra)

sexta-feira, dezembro 15, 2006

A multa

Ninguém gosta de ser multado. Não sei se os polícias gostam de multar. A multa é uma sanção, uma reprovação por certo comportamento. É a expressão de uma censura.
Pode não haver multa. A sanção pode ser outra. Uma repreensão verbal, uma daquelas conversas dos polícias, de boca semi-aberta, entre-dentes, " o senhor isto, o senhor devia aquilo, o senhor não podia aqueloutro...". Como eles e elas tão bem sabem fazer. Eu gosto de os ouvir. O senhor agente tem toda a razão! Eu não o devia ter feito, de maneira nenhuma...
É a expressão adequada da cidadania no seu pleno vigor. O Estado, todo poderoso e paternal, ensina e instrui. O cidadão, zeloso e cumpridor, regista e corrige, de forma inelutável, os comportamentos futuros. Uma bela dança a dois, com música do Estado de Direito, letra de dois seres humanos em situações opostas, mas sem contradições.
E lá ouvimos a reprimenda, na angústia do guarda-redes na hora do penalty: e a multa, sai ou não sai?
Na maioria das vezes, porém, ela sai mesmo. E com direito a sanção acessória, a reprimenda individualizada. Concreta e particular: "toma lá cidadão e não te queixes".
Agora, levar com a multa e ter ainda de ouvir a reprimenda, é que não! É uma dupla sanção, é ser condenado duas vezes, é levar na sopa. É absurdo intelectualmente e injusto humanamente.
(Lisboa)

Preço

A vida pode ter, frequentemente, o preço da liberdade.
(Lisboa)

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Interessa?

Cruzaram-se na estação de metro, a uma hora qualquer. Um, caminhava seguro, escorreito, pontual, no seu fato e gravata, de mala hermética e atitude rígida. Outro, em restos de embriaguez, esticava a camisola andrajosa e esforçava-se por se manter acordado, a falar consigo mesmo, sem cair redondo.
Pediu este áquele, "dá-me uma moeda...?".
Nada.
"Dá-me lá uma moeda, pá".
"Vá lá!", insistiu.
"Porque é que te hei-de dar uma moeda? Para quê?" - respondeu o primeiro.
Nada, nada.
"Dá lá uma moeda...", reforçou o segundo.
"Não queres dar? Mas não queres, porquê?" - interrogou-o.
Nada.
Continuou, "diz lá, não dás porque não tens, porque não podes, ou porque não queres dar? Diz ao menos isso..."
Fez-se silêncio na estação.
Interessa, afinal, porquê?
Não!
Interessa...
(Paris, França)