Não pagar
Uma das mais frequentes piadas sociais, repetidas ao longo da vida, de forma inter-geracional e transversal a todos os círculos sociais, tem que ver com a história do tipo que vai ao restaurante, não paga e tem de ficar a lavar pratos.
Já assisti a ser contada, imaginada, retocada, glosada e comentada, milhares de vezes, essas pequenas histórias. Chega, senta-se, come, não paga (há variantes para tudo no que respeita a razões para não pagar) e, desgraçadamente, tem de ficar a lavar os pratos na cozinha (em alternativa, há a versão musculada que passa por chamar a polícia).
Tenho 40 anos e nunca vi tal coisa acontecer. Nem conheço a quem tenha acontecido. Nunca o fiz nem presenciei, nem conheço quem tenha feito, sido vítima ou presenciado.
Subjacente a esta história, pode estar uma ideia social estruturante, que tem a ver com a confiança no sistema, com uma função de estabilidade social, que obriga a que donos de restaurante e clientes aceitem com facilidade a ideia de que, depois de servido e de ter comido, o cliente paga sempre a conta. Com naturalidade.
É claro que esta ideia de confiança social e colectiva tem as suas versões fragmentadas e contrárias: o caso do self-servive, do take-away e do modelo dos negócios fast food. Paga primeiro, comes depois.
Não acredito que seja para evitar o cliente que não paga. Mas que resolve o problema, lá isso resolve.
A verdade é que, felizmente, vamos repetindo vezes sem conta e sem graça, a mesma piada do tipo do restaurante que não paga a conta.
E eu aqui estou, com 40 feitos, sem nunca ter visto tal coisa, mas aceitando-a e colaborando na sua sã propagação.
Tenho esperanças de um dia querer experimentar a experimentar comer e não pagar, para ver, afinal, o que realmente acontece.
(Coimbra)