Anónimos em cascata
As reuniões e organizações dos alcoólicos anónimos fazem parte do nosso cenário urbano e social. Desde há dezenas de anos, são inúmeros os grupos e iniciativas de apoio aos antigos alcoólicos e alcoólicos, na sua recuperação e reintegração numa vida perigosamente vivida ao lado do alcoól. São muitos os livros, teses, trabalhos, reportagens e filmes sobre o tema.
Surgiu depois, de forma quase inexorável, um novo fenómeno paralelo: o do conforto aos familiares e amigos dos alcoólicos e ex-alcoólicos e dos que com eles vivam. Emergiram novas estruturas de apoio psicológico, emocional e afectivo a todos os que sofrem com a convivência e proximidade de alcoólicos, anónimos e não, agora também carentes de outro apoio, que os ajude a manter a vida estreita com aqueloutros.
E por aí fora. Um dia, andaremos a criar apoios aos amigos dos amigos dos que convivem com aqueles, após os quais se encontrará a necessidade de estabelecer uma rede para dar apoio também a estes e depois a estes por aqueles. Um processo cada vez mais complexo, individualizado, segregado, perdendo-se ao longe as causas e o problema principal.
Não duvido das necessidades subjacentes. Pergunto-me só se esta é a via mais eficaz para resolver os verdadeiros problemas, ou se não será apenas para criar uma cascata de desresponsabilização social, de diluição progressiva da responsabilidade de cada um no sentimento de culpa de todos, para que a ninguém nada seja nunca exigido e tudo possa ir ficando, no pântano da caridade e do apoio psicológico. Interminável.
Não conseguiremos fazer melhor que isto? Não conseguiremos ajudar a formar pessoas que saibam exigir a si mesmas?
(Almada)