terça-feira, setembro 19, 2006

Privação pública

Existe uma enorme confusão na vida pública em Portugal. Uma das recorrentes formas dessa confusão, passa pelo exercício público de posições ou acções em nome de outros, cada um deles próprio um cidadão singular e particular.
É frequente ver que somos diariamente representados, de forma abusiva, por pessoas que falam em nosso nome, sem mandato legítimo, sobre os mais diversos assuntos: contribuintes, utentes de saúde, pais, utentes de transportes, profissionais disto ou daquilo.
A legitimidade e a representação são estruturantes num sistema democrático. O exercício da liberdade democrática exige mecanismos adequados de controlo de quem representa por quem é representado, para garantir a operacionalidade dos sistemas mas também a sua legitimidade. Porque não podemos estar 10 milhões de portugueses, o dia inteiro, na Assembleia da República, temos lá 230 deputados que decidem por nós, em nosso nome e - supostamente, queremos crer - também no nosso interesse.
Ora, é frequente encontrarmos representantes de entidades cuja legitimidade não conhecemos, a emitirem as mais veementes orientações. Frequentemente, sob a forma bolsada de disparate a granel. Um exemplo que hoje ouvi, referia-se a alguém que verberava contra as taxas moderadoras (referindo-se-lhes como meios de financiamento, quando devem ser sobretudo uma forma de limitação do uso dos serviços), bem como aclamava a defesa do sistema de saúde "tendencialmente gratuito" (agora, tendência no sentido de moda ou de orientação para qualquer coisa ou a caminho de qualquer coisa completamente gratuita, quando sabemos que pode querer dizer precisamente o contrário disso).
Confesso que neste país tão crítico mas tão pouco exigente com os seus políticos - apesar de tudo sendo os governantes eleitos democraticamente, pelo que credores de legitimidade representativa de todos nós -, é também absolutamente permissivo e tolerante com mandatários sem mandante que, a coberto do protagonismo e da facilidade de acesso aos meios de comunicação, em "nosso nome", exprimem as mais contundentes quanto inexpressivas posições e manifestações, sem que tenham recebido autoridade ou legitimidade para tal. Pelo menos minha, de certeza, não terão recebido.
(Lisboa)